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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Ensinando e coreografando...


Bailando...não tem jeito. Seja muito ou pouco e nos lugares apropriados (que tenha tablado) é ali que se brota com mais segurança as emoções que pede cada palo após anos fazendo aulas de tudo que se pode e alcança. Aliás as aulas só terminam quando se acaba o dinheiro ou quando o corpo não responde mais.

Ensinando... conheço bem este caminho. Eu tenho a coragem e o prazer de investigar e fazer laboratórios com os alunos e  as primeiras coreografias que fiz comparei com minha primeira professora e os trabalhos que sei que ela coreografou. Perguntei, pedi ajuda de uns que me deram e outros me negaram ou riram de mim. Óbvio que estes que desdenharam não mereciam ser professores. Após anos, vejo que existe uma identidade, uma espécie de registro único que cada um implanta no seu trabalho e que leva juntos vários trabalhos anteriores, mas com sua característica; o que o faz diferente dos demais. Descobri como se deve dividir os níveis de aprendizado e qual conteúdo lhes aplicar. Desenvolvi meu método pessoal e acabei criando minha linha de trabalho. Tenho muitas influências por conta dos caminhos que passei. E a cada trabalho que ensinei, lhe dei o devido crédito quando não eram meus. Faço isso até hoje. Acho importante saudar quem nos ensinou, pois assim se homenageia o seus mestres e os deixamos para sempre na história. Isso não foi nenhum deles que me ensinou. Foi depois que meu pai faleceu (ele foi professor de Bioquímica em diversos segmentos da medicina e em várias universidades) e várias turmas que se formavam homenageando-o por isso mesmo depois de morto. Este é meu maior espelho: o exemplo de conduta com os alunos.

Ensinar é difícil porque tem que ter a humildade para enxergar seus erros técnicos para não repassá-los e não criar sujeiras que poderão interferir no futuro do artista e abrir uma lacuna para a decepção quando ele descobrir que "aprendeu errado". Ensinar o outro é fazer com que  use seu dom da Reflexão, da Escolha e da Responsabilidade, valores em falta em quase todos aqueles que ensinam alguma coisa.

Tá. O que é errado no Flamenco? Todo trabalho possui um limítrofe que se descobre com o tempo e a quantidade de diferentes cursos que se fez e faz. Então se enxerga a dimensão das possibilidades e o quanto isso é importante no processo do ensino. É como se tudo que está dentro desta esfera decodificasse o que é Certo e o que está fora, o Errado. Aliás, Errado sempre justificam como "inspirado em", "estilizado", "fusão" ou "geito cigano" que é pior ainda. Não por ser cigano, mas por delegar a etnia os erros que se comete. Imagine! Logo eles que são uma das bases de nossa arte! Coisas do tipo "jamais se taconea com os joelhos esticados". Isso é óbvio e matriz em qualquer estilo flamenco. Então qualquer coisa que saia deste parâmetro está errado. Será? E se dobrar demais o joelho, ou de menos? Sacar os pés de cima para baixo está correto? Fica no ar para refletir quem ensina.

Aí vejo a juventude nova desta fase espetacular do Flamenco mais moderno, mais atual que dança tudo, faz milhões de cursos e dança maravilhosamente e se metem a ensinar sem critérios. Vejo gente que determina a nomenclatura do que ensina criando até novos termos como "escorregada pra frente e escorregada pra trás", "mão de barbie pra dentro e pra fora"  e segue com outras coisas inexplicáveis. Devo reconhecer o potencial criativo desta juventude que melhor caberia com o uso adequado do conhecimento, quando se tem, no processo de ensino. 

Montam shows e assinam as coreografias. Poxa, nada tenho contra se utilizar das coreografias aprendidas ao longo de seu processo de aprendizado, mas ao ponto de assinar as coreografias que nuca criou? E ainda quando reconheço os estilos em algumas coreografias recortadas e montadas como uma colcha de retalhos e às vezes desestruturando a própria estrutura do baile. Já falei sobre este tema em artigo passado (http://flamencoymoda.blogspot.com.br/2017/03/coreografarou-copiografar.html)

Coreografar não é fácil. Tem medidas que variam muito em função de alguns fatores como local a ser exibido, o tema a ser explorado, tamanho e tipo da platéia, sua interpretação pessoal, seu elenco, seus músicos ou repertório mecânico, valor do espaço, mídia, etc, etc, etc.

Mariana Abreu, um talento brasilero jovem da nova geração a quem demorei a gostar, lançou esta pergunta num grupo e recebeu trocentas informações. E uma me chamou a atenção que foi da bailaora Rosa Jimenez sobre este tema. Rosa foi bem direta e deu todas as dicas para que ela pudesse viajar nas possibilidades de suas criações. Amei! Ainda tinha dicas que não tinha recebido e nem percebido...até aquele instante.

Falta isso nos artistas que ensinam para nossa continuação, nossos hedeiros, que gente como a Rosa Jimenez e outros artistas que conheço, sejam tão generosos ao mostrar uma direção. E óbvio, aos novatos que queiram receber estas dicas valiosíssimas . Existem outros artistas que não negam se os perguntar sobre isso. Gente como La China, Inma Ortega e Isaac de los Reyes.


Nós que ensinamos e coreografamos precisamos entender e lembrar disso no processo criativo. Precisamos ensinar aos neófitos coreógrafos como fazerem isso e assim demonstraremos como somos bons profissionais e respeitamos nossa arte e nossos aprendizes. Isso é um legado!

Hoje já não danço como antes embora arrisco sempre algo mais do que meu corpo responde. Mas com toda segurança que tenho hoje, tenho certeza absoluta que dou uma boa aula com tudo que se necessita aprender. Mesmo com as dificuldades atuais que o tempo me impôs, sempre que posso estou em alguma sala de aula fazendo um dos papéis que mais amo fazer... o de aluno.

Antes de ensinar, precisa-se saber aprender e depois a usar aquilo que aprendeu.

Antes de coreografar, eu sempre vejo primeiro o potencial do grupo que tenho para não dar aquilo que não podem naquele momento e lembro sempre das dificuldades que tive quando cursei com professores que não se importavam com quem aprendia. As dificuldades aprendemos a superar e treinamos durante as aulas.

Antes de tudo, valorizo aquele centavo que investiram no meu trabalho, valorizo aquele que tenta vencer suas barreiras para alcançar aquele sonho, valorizo mais ainda quem usufrui das minhas vivências para fazer uma de suas referências para seguir nova jornada. Na verdade, enquanto aprendiz o maestro sempre tem razão quando demonstra racionalmente aquilo que ensina.

E eu sou eterno aprendiz porque até meus alunos às vezes me mostram o quanto tenho conhecimento e o quanto ainda preciso aprender.


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